AYAHUASCA SEM DOGMA

Grupos independentes se reúnem
para tomar o chá do santo-daime
sem a interferência de religiões

Fernando Cracco fundou, há três anos, o Instituto Ayahuasca


Tony, com a namorada Abigail: "filme do inconsciente"

Participantes se preparam para o início do ritual

O litro do chá custa R$ 80


Mais de dez tradições populares já receberam o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, criado pelo governo em 2000 para preservar formas de expressão ancestrais. A lista conta com algumas manifestações conhecidas do grande público (como o frevo pernambucano) e outras que ainda não ganharam reconhecimento fora de suas regiões (caso da viola-de-cocho do Mato Grosso).

Nesses oito anos, ninguém contestou a importância do Círio de Nazaré ou do Samba de Roda do Recôncavo Baiano, costumes que também receberam o diploma. Mas, em abril, a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC) colocou o registro em evidência ao pedir a inclusão do chá ayahuasca, mais conhecido como santo-daime.

Produzida a partir da fervura de duas plantas amazônicas - o cipó de jagube e as folhas da chacrona -, a bebida contém DMT, um elemento tóxico e psicoativo que pode causar alucinações. A Secretaria Nacional Anti-Drogas permite sua utilização, porém restrita a ambientes religiosos. Até aí, nenhum motivo para polêmica. Não fosse o fato de que os rituais ayahuasqueiros têm se proliferado pelos centros urbanos nos últimos anos.

Estima-se que 20 mil brasileiros são adeptos das três religiões sincréticas calcadas no uso da substância: Santo Daime, União do Vegetal (UDV) e Barquinha. Esse número, no entanto, pode dobrar quando entram na conta os centenas de grupos independentes espalhados pelo Brasil.

Só em Curitiba existem, pelo menos, dez deles. Do novato Centro Universalista Mãe Terra (CEUMT), com cerca de 15 frequentadores, ao consolidado Instituto Ayahuasca, cujo espaço costuma receber até 60 pessoas por sessão. Sem contar iniciativas isoladas, promovidas em círculos restritos de amigos.

O psicólogo Fernandes Ribeiro, 38, foi praticante de uma religião ayahuasqueira (que prefere não identificar) durante 18 anos. Insatisfeito com a expansão da instituição, desvinculou-se e, há poucos meses, fundou o CEUMT. "A coisa ficou tão grande que inviabilizou aquele contato original, essencial. Quanto mais gente envolvida, mais regras devem ser criadas para controlar o sistema", diz.

Ribeiro afirma que a popularização dos grandes cultos não é a única motivação para a formação dos sistemas independentes. De acordo com ele, há quem simplesmente não se identifique com a simbologia e os dogmas do Daime e seus congêneres - que podem contar com danças, hinos e o uso de vestimentas específicas, entre outras obrigatoriedades.

Enquanto os encontros do CEUMT ainda ocorrem na casa de Ribeiro, o Instituto Ayahuasca está em um estágio mais avançado. Criado há três anos, tem como sede o centro de terapias alternativas comandado por seu fundador, o acupunturista Fernando Cracco, 43. Trata-se de uma instituição legalizada e sem fins lucrativos, que inclusive mantém um cadastro formal de seus freqüentadores. "Está tudo aqui, à disposição da Polícia Federal", diz Cracco, mostrando uma pasta lotada de fichas.

O terapeuta conta que teve sua primeira experiência com ayahuasca há cinco anos, orientado por um "mestre" de origem peruana. "Cada grupo tem seu sistema. O nosso é baseado nas tradições maias e astecas", afirma. Ainda assim, Cracco acredita que os independentes formam, na verdade, um único e grande grupo, marcado pela ajuda mútua.

Essa cooperação, ele explica, inclui a circulação do chá. O problema não é exatamente o preço (em torno de R$ 80 o litro), e sim a dificuldade para consegui-lo. "Já sofremos muito por falta da ayahuasca, por isso temos o projeto de iniciar uma produção própria", revela o terapeuta, que muitas vezes fala da bebida como se ela tivesse vida.

Sobre a possibilidade de criar "franquias" do instituto, Cracco não titubeia: "Nem pensar! Isso vai contra a nossa proposta". Sua meta, no entanto, é organizar um espaço com capacidade para 400 pessoas. "Mas isso não fui eu que defini. Foi o ayahuasca que me passou", garante.

"CÉUS E INFERNOS"

Mais de 50 pessoas se reuniram, no último domingo, na sede do Instituto Ayahuasca, no bairro do São Francisco, em Curitiba. Gente, basicamente, de classe média e formação universitária, mas de todas as idades. Já passava das 14 horas quando Fernando Cracco, responsável pelo centro, iniciou uma preleção.

Descalços e sentados em cadeiras de plástico, os participantes ouvem compenetrados suas orientações. Praticamente um terço dos presentes estava ali pela primeira vez, trazidos por amigos, parentes ou parceiros. Como o administrador de empresas Tony Donaccorso, 43. Sua namorada, Abigail, bebeu o chá há pouco tempo e o convenceu a experimentar também. "Sou ateu, mas hoje acordei querendo fazer uma coisa diferente", diz Tony.

Mais escolada, a estudante de Educação Física L.N., 29, ajuda na organização do encontro. Cadastra os visitantes e recolhe R$ 10 de cada um - valor que custeia a bebida. Ela conta que começou a visitar o instituto no ano passado. "Já vinha buscando um lado espiritual e até cheguei a frequentar um centro espírita, mas não gostei".

Há quatros meses, L.N. perdeu a mãe. Hoje, acredita que a aproximação com a ayahuasca serviu como uma espécie de "preparação" para o momento doloroso. "O sofrimento é o mesmo. A diferença é que eu compreendo melhor meus sentimentos", reflete.

G.D. foi professor de L.N. na faculdade. Especialista em Fisiologia, era "totalmente ateu" até que, por insistência da aluna, conheceu o instituto, em junho. "Naquele mesmo dia, matei minha descrença", afirma.

Usando uma camiseta com motivos hindus, ele também exibe uma aliança de noivado. "Tinha uma espécie de bloqueio nos meus relacionamentos. Meus namoros não duravam mais de quatro meses", confessa, sem esconder a felicidade pela mudança.

Durante a rápida palestra, Cracco explica os detalhes do ritual e descreve os benefícios trazidos pelo chá. Entre eles a possibilidade de curar dependentes químicos e viciados em geral. "A ayahuasca é uma professora. Ela vem para ensinar e libertar a pessoa de tudo o que a escraviza" diz. E enfatiza: "Vocês vão ter um encontro com vocês mesmos, com seus céus e infernos".

Na seqüência, todos vão para o subsolo, equipado com colchonetes, cobertores e sacos plásticos (é comum vomitar ou ter diarréia durante o processo). Embalados por mantras e CDs com temas new age, os participantes enfim tomam o chá, em copinhos de café. Seguirão deitados até às 21 horas, sob a supervisão de Cracco e seus assistentes. Antes, todas as portas do instituto são trancadas - e a reportagem é obrigada a se retirar.

Na segunda-feira, pela manhã, Tony relata sua jornada. Por telefone, revela que teve a melhor experiência de sua vida. "Foi como ver um filme muito claro sobre o meu inconsciente. Percebi pontos positivos e negativos e entendi porque tenho determinados problemas".

Alguns momentos, ele admite, foram de tristeza e angústia, principalmente quando questões familiares vieram à tona. Mesmo assim, o administrador pretende voltar ao centro. "Isso não tem nada a ver com religião. Tem a ver com você mesmo, com uma descoberta pessoal. Com o ayahuasca, ninguém precisa de psicólogo".

A julgar pelos relatos, essa interiorização, somada à independência de dogmas e sacerdotes, é o que tem atraído cada vez mais interessados aos grupos ayahuasqueiros. Mais do que isso, como dizem os ayahuasqueiros, só tomando para saber.

OPINIÃO PROFISSIONAL

A professora Maria Virgínia Cremasco, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é orientadora de um grupo de alunos que pesquisa o uso da ayahuasca em centros urbanos. Ela explica porque a procura pela bebida tem aumentado.

"O ayahuasca induz a estados alterados que proporcionam vivências diferenciadas. A pessoa tem acesso rápido a um material psiquíco que faz muito sentido para ela, porque não veio de fora para dentro", diz a psicóloga, que revela já ter experimentado o chá.

De acordo com a professora, quem consome a bebida pode descobrir a razão de algum sofrimento ou angústia - e isso tem um resultado positivo. "Minha única crítica é quanto ao processo se limitar ao ritual. É preciso fazer um trabalho terapêutico em seguida, para encontrar instrumentos e ferramentas que possam dar significado ao que se descobriu. Do contrário, nada muda".

Presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, Marco Antonio Bessa compara o ayahuasca ao LSD e alerta para o risco do uso fora do contexto ritualístico. "É mais seguro quando há um controle social, no sentido de tomar o chá em datas e quantidades específicas".

Especialista em dependência química, ele não confirma a eficácia da bebida no tratamento de viciados, como prometem alguns grupos independentes. "Isso ainda é folclore. Na minha avaliação, só se substitui uma substância por outra".

E se o leitor da FOLHA souber que o filho freqüenta um grupo ayahuasqueiro? Deve se preocupar? "Esse pai deveria acompanhar o filho. É melhor que o jovem vá a um culto sério do que ao bar, para consumir fumo e álcool, muito mais perigosos", diz Maria Virgínia. Basso é mais cauteloso. "Cada família tem seus valores. Mas, como pai, eu me preocuparia", conclui.

por OMAR GODOY
com fotos de LETÍCIA MOREIRA (chá)
e MARCOS BORGES (outras)
novembro de 2008

14 comentários :

Rafael Urban disse...

Olá Omar,
bacana a organização do blog.

Gostaria de, mais para frente, também atualizar o meu (www.materiaspublicadas.blogspot.com). Acho que tem algumas matérias que valem à pena estar lá.

Se puder, vá hoje (quinta, dia 11) no lançamento da Juliette 004. Vamos exibir "Seams" (1993), um dos primeiros trabalhos de Karim Aïnouz, que entrevistei para a edição.

Saludos,
Rafael

Unknown disse...

Já tive oportunidade de experenciar a Ayahuasca em vários Estados (PR/SP/RJ),sobretudo em rituais xamânicos junto à natureza e apenas duas vezes no Daime.

Mas infelizmente o Instituto Ayahuasca do Sr. Fernando Cracco, revelou-se uma perplexa contradição.
Se auto-denominam "escola", mas o aprendizado não passa de um patético monológo do Cracco que não permite sequer perguntas ou intervenções. Seus "ensinamentos" são metodológicamente confusos, carecem de bases sólidas (a não ser nas suas crenças pessoais)e são repletos de palavras densas como desgraça, desgraçados, etc.

(Achei muito engraçado quando dividiu os grupos intitulando o primeiro de "os que possuem o conhecimento superior". Como se os outros tivessem conhecimento inferior?! rsrs)

Enfim, diz que todos estão ali para "matar" o ego, entretanto o dele (cheio de vaidade espiritual) é maior que o salão, fala mais do mal do que do bem; demonstra preconceito com outros rituais e tudo o que "ensinou" me pareceu uma indução ao medo, à manipulação e a subserviência...

Para quem gosta de ser manada ou servir de cordeiro manso, ali é uma opção!

Que o Divino nos ilumine!

Imagens escondidas na natureza disse...

Shakti está mentindo! Fernando Cracco permite perguntas sim, desde que ele tenha terminado de expor toda a sua idéia por inteiro. Acontece que pessoas mal educadas como Shakti gostam de interpelar o expositor no meio de suas idéias, para impedir que ele conclua o seu pensamento, e apreciam transformar estudos em bagunças, já que são adeptos da dialética do Caos. Quanto a submissão, é muito simples: você se alinha ou sai, ninguém te obriga a ficar. Se você não tem afinidade alguma com um grupo, por que quer ficar ali, senão para encher o saco e atrapalhar tudo?

Unknown disse...

Pela "qualidade" da resposta ao meu post, fica fácil ver onde está a verdade. As palavras "densas" usadas para defender o indefensável revelam as energias da "escola do Gracco": mentindo, encher o saco, dialética do caos, bagunças, são apenas um singelo exemplo...

Definitivamente, mantenho a mesma opinião e jamais recomendaria o local como aprendizado do chá e muito menos como "escola (sic)espiritual"!

Instituto Cappadocia disse...

Shakti

Com todo o respeito. De cada 5 pessoas que passaram pelo Instituto Ayahuasca, 4 retornam e participam mais vezes. Estas pessoas possuem vontade de mudar, mudar para melhor, e chegam ali com seus coracoes abertos para o verdadeiro conhecimento, nao ficam viajando o pais se embebedando em Ayahuasca como se fosse algo a se prestigiar. Ao contrario de poucos, que movidos pela curiosidade ou pelo equivoco de suas ja confusas mentes chegam ali sem um motivo intimo. Ja esteve em tantos grupos, em tantos estados e pelo visto nao teve resultado algun, nem sequer educacao recebeu. Existe uma diferenca entre aceitar de bom grado, reconhecer que esta errado e procurar melhorar, do que simplesmente achar que algo esta sendo imposto. Isso e conversa de revoltado, pessoas frustradas que vestem a mascara da falsa mistica e nao tem resultado em sua vida espiritual. Nao devia criticar o trabalho do Fernando e das pessoas que o ajudam, de boa vontade, doando muito de suas vidas pelas pessoas que vao ate la. Estas sao as pessoas superiores de quem ele fala. Se "pensa" que e melhor que alguem por que nao tenta "ser" uma delas entao?

Marcelo disse...

Ali diz que o litro de ayahuasca custa 80 reais. É possível comprar o chá se eu quiser?

Marcelo disse...

Em uma das imagens diz que o litro custa 80 reais. É possível comprar o chá neste Instituto? Gostaria de conhecer.

italo disse...

Fui hoje visitar o instituto e concordo claramente com os comentarios do Shakti e os acrescento ainda mais, qualquer um que quiser provar isto e nao for um alienado é só ir ao local.

Primeiro, se nao forem com tua cara já te dao um endereço para onde iriamos nos sentir melhor ( no caso em um outro estado), só por este ato é óbvio que nao vou me sentir melhor neste local, se fui é porque tenho o interesse de conhecer, ao perceberem minha nitida vontade de conhecer o local e afins, acabaram por deixar eu e mais um amigo a entrarem.
Ele é sim uma pessoa extremamente egocentrica, fala tanto em etica que nao demonstra nenhuma ao se ter um diálogo e ser questionado de algo, para ele é apenas um monólogo, confesso aqui que eu e mais um colega que somos universitarios, estavamos vestidos adequadamente e ficamos sentados normalmente o escutando, nao fomos autorizados a continuar na instituiçao para tomar o cha, ao ser questionado, o mesmo nao soube explicar o motivo e por isto nem fizemos questao de continuar no estabelecimento, nao quero de nenhuma forma denegrir a imagem da instituiçao, estou apenas revelando minha total frustaçao ao tentar conhecer melhor o instituto e suas doutrinas, desde já agradecido por lerem!

Anônimo disse...

Não é possível comprar ayahuasca no Instituto e acredito que nem em instituições sérias de Daime. Quanto à qualidade dos trabalhos, só quem comparece pode julgar.

Unknown disse...

fala marcelo,,gostaria saber se conseguiu o cha,,, e se e de boa qualidade??
paz eterna

Unknown disse...

marcelo conseguiu comprar o cha???que tipo de qualidade e??
vale
paz eterna

Johnny Nogueira dos Santos disse...

A escola é o auto conhecimento, e isso é feito com ajuda do chá. Sou frequentador de um local em SP que faz questão de ressaltar esse ponto. Qualquer opinião que insista em julgar já está cheia de um ego inflado por contradições. Ser patético é olhar o erro alheio e nunca o próprio.

Rosa Faith disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

que horror